Psicanálise, Psicologia e Psiquiatria. Qual a diferença?
/Você já deve ter se questionado sobre a diferença entre psicanálise, psicologia e psiquiatria. E responder essa questão realmente não é uma tarefa simples, pois todas trabalham com questões da psique humana, todas tem um fazer clínico e todas tratam o sofrimento decorrente de algum mal estar mental ou emocional. Quando se está em sofrimento, o que mais se quer é que ele acabe, de modo que, num primeiro olhar, qualquer uma dessas especialidades poderia ser uma possibilidade. Mas, então, no que se diferenciam? Basicamente no entendimento de como funciona o psiquismo humano e, por isso, as propostas clínicas são muito diferentes, pois cada uma tem um modo de escuta e intervenção.
A psiquiatria é uma especialidade médica, trabalha com as referências de saúde e doença, normalidade e anormalidade, padrões que balizam o que seria uma patologia, inclusive trabalham com um manual que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, o DSM (Manual Estatístico e Diagnóstico de Saúde Mental). A compreensão sobre a pessoa que está em sofrimento é determinada sob o ponto de vista do orgânico - do corpo - e da disfunção que esteja ocorrendo. Os psiquiatras, por serem médicos, têm a competência para prescrever psicofármacos no tratamento das patologias, o que pode ser um auxílio importante em casos mais graves, como o de angústias paralisantes e desorganizações da personalidade. Muitos psiquiatras costumam trabalhar em parceria com psicólogos e psicanalistas, por compreenderem a limitação da abordagem orgânica diante da complexidade do sintoma.
Quanto à psicologia e psicanálise, faremos uma comparação entre duas de suas linhas principais*: vamos nos ater à cognitiva comportamental quando falamos de psicologia, por ser a que mais se diferencia da psicanálise e ser a mais conhecida. E no caso da psicanálise, utilizaremos a abordagem freudiana, por também ser a mais conhecida e servir de base para todas as demais. Sendo assim, em quais aspectos se diferenciam de forma decisiva?
A psicologia tem como base de estudos a observação do comportamento humano. A partir dessa observação consegue estabelecer parâmetros de classificação e, nesse sentido, padrões de normalidade e anormalidade. O sintoma seria um problema por ser um desvio daquilo considerado normal, tal como trabalha a psiquiatria. Apesar da psicologia considerar a existência de algum tipo de inconsciência, a instância determinante para ela é a consciência. Seu fundamento clínico é o direcionamento da consciência, por meio de exercícios e técnicas específicas, a fim de corrigir e eliminar determinados desvios.
Segundo a teoria cognitiva, existem erros lógicos de processamento de informações sob a forma de pensamentos disfuncionais e distorções cognitivas, que são causas de síndromes e transtornos. Consideram-se os fatores relacionados ao problema, mas o objetivo imediato é o alivio do sintoma e a volta ao funcionamento antes da crise. Trabalha-se com aconselhamentos, técnicas de autocontrole, aprendizagem através de estímulos visando comportamentos desejados, treino de habilidades, além de técnicas cognitivo-comportamentais tais como exposição gradual, reforços, correções de crenças e pensamentos e manejo ambiental.
A psicanálise, por sua vez, entende que o psiquismo humano é uma complexa trama imaginária, ou seja, uma rede de significações que atribuímos às coisas, constituída muito precocemente, a partir de ininterruptas experiências de frustração e satisfação com o ambiente e que produzem expectativas, desejos, medos e conflitos. A constituição do psiquismo sempre deixará marcas e sintomas, e estaremos sempre a lidar com nossa precariedade diante da vida. Não existe “a normalidade”.
Sob esta perspectiva, a singularidade de cada pessoa é privilegiada e os sintomas são expressões de conflitos que nos habitam, relacionados a desejos inconscientes e, portanto, falam de quem somos, são resultados da forma como pudemos lidar com a vida, de acordo com os recursos que tivemos. Mas, sem que possamos controlar, algumas vezes eles trazem sim muito sofrimento e limitam a vida: somatizações, comportamentos indesejados que se repetem ou angustias sem nome. Isso fala da existência, em todos nós, de uma dimensão desconhecida - o inconsciente - a qual não temos acesso direto, mas que mobiliza nossas ações e sonhos. Esse é um pressuposto essencial da psicanálise e fundamento clínico sobre o qual se dará o processo analítico.
O psicanalista possui um conhecimento sobre a dinâmica do psiquismo humano, além de uma competência específica, a escuta diferenciada, que lhe dá condições para acompanhar o paciente nessa descoberta. Empresta a si mesmo como participante no processo, pois o encontro psicanalítico se dá a partir da transferência, uma relação dinâmica e singular que se estabelece entre analista e analisando. Nesse processo a dimensão consciente está presente, mas, principalmente, abre-se espaço ao inconsciente, possibilitando que a trama imaginária tão particular possa surgir. Durante esse trabalho, o analisando pode entrar em contato com seus afetos, muitas vezes suprimidos, realizar novas elaborações, construir outras formas de se relacionar com as pessoas e ter condições para estar mais apto a lidar com os limites da vida.
Por mais que a análise possa gerar bem estar, a psicanálise não se restringe a isso, pois não tem a pretensão de direcionar a consciência para aquilo que seria o bom, o normal e o certo. Não há julgamentos. A ideia é que, através da experiência analítica a pessoa possa aproximar-se dos seus próprios desejos e passar a ser autora de sua vida, ou seja, não ficar submetida aos seus sintomas. O processo amplia a visão que temos de nós mesmos, e como consequência pode tornar a vida mais interessante e flexível.
Mas então, se estou sofrendo, se preciso de ajuda num determinado momento da vida, a quem devo procurar?
Como vimos, são três áreas que possuem pontos de interseção importantes, mas que têm cruciais distinções nas formas de entender a dinâmica psíquica do homem, os sintomas e a função da clínica. Com qual tipo de trabalho você se identifica mais? Qual parece fazer mais sentido para sua vida? A partir das respostas a essas questões, procure alguém ou alguma instituição que lhe inspire confiança. Espera-se que um bom profissional escute sua necessidade e proponha um trabalho ou então faça um encaminhamento.
Como saber se o profissional é bom? Apesar de a internet possibilitar maior acesso às informações, só há uma forma de “saber” se aquele profissional é o que vai conseguir lhe ajudar: por meio do encontro e do que ele terá provocado em você, portanto fique atento às suas próprias percepções e, caso sinta vontade, conheça outros profissionais. O processo terapêutico acontece desse encontro entre duas pessoas onde uma relação muito singular terá início, e só através dessa experiência será possível saber se aquele é o profissional que você procura. Este é o primeiro passo.
* Há diversas linhas dentro da psicologia, sendo as mais conhecidas: linha junguiana, Gestalt terapia, fenomenológica, cognitiva-comportamental, psicodrama. Na psicanálise: linhas baseadas em Freud, Lacan, Melanie Klein, Bion, Winnicot.
** Se quiser saber mais sobre a origem dessas três áreas de conhecimento, acesse o vídeo do psicanalista Christin Dunker. (https://www.youtube.com/watch?v=FjYvwYuCsDE)
Texto produzido por Elabora Psicanálise Acessível.